© 2021 [[Eduardo Viveiros de Castro]]
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Definamos como “antropológico” todo estudo que pressupõe que as entidades que constituem seu objeto são “inteligentes”, isto é, capazes de constituir mundos a que se acoplam em trajetórias coevolutivas. Há então três grandes áreas de interesse antropológico contemporâneo — as “três inteligências”, poderíamos dizer, parafraseando Guattari. Essas áreas se interceptam, se superpõem, colaboram e frequentemente colidem entre si. Pois elas disputam de modo mais ou menos explícito uma superioridade hierárquica ou “topológica”: cada área pode (em todos sentidos modais deste verbo) pretender ao título de continente mais geral dentro do qual as duas outras são apenas províncias suas. Este último ponto será desenvolvido alhures; baste-nos aqui dizer que essa tensão deve ser vista como produtiva, não destrutiva.
A primeira área é a do que chamaremos a inteligência “cultural”. Seu objeto é a diferença entre os modos humanos de fazer mundo, diferença que condiciona historicamente a relação (política, epistêmica etc) entre esses modos. Esta área é aquela percorrida pela antropologia sociocultural clássica, mas também pela chamada “virada ontológica” desta disciplina, bem como toda a ampla problemática dita “decolonial”.
A segunda é a inteligência “natural”. Seu objeto são os modos outros-que-humanos de fazer mundo, e eventualmente a relação desses modos entre si e com os diferentes modos humanos. Aqui se encontram os variados trabalhos abrigados sob o termo guarda-chuva de “estudos multiespécies”, mas também as descrições de processos e entidades abióticas feitas do ponto de vista de suas capacidades de agência (ANT etc.)
A terceira é o que chamaremos de inteligência “artificial". Seu objeto são dispositivos e agenciamentos técnicos produzidos por (via de regra) humanos, com a capacidade atual ou presumida de fazer mundo e de se acoplar aos, e desacoplar dos, mundos humanos. Aqui se encontram os inúmeros estudos sobre I.A., as filosofias e antropologias da tecnologia, o interesse recente pelas “cosmotécnicas”, as especulações metafísicas sobre o "pós-humano" e o "inumano", e assim por diante.
Esse triângulo, que na tradição filosófica moderna poderia ser descrito pelas rubricas “humanos, animais, máquinas”, continua a definir os contornos da metafísica (_lato sensu_) contemporânea, ainda que eventualmente ampliado de modo a incluir extraterrestres, viventes em geral (entidades auto-replicantes), e entidades lógicas (programas de computador). Ele pode ser imaginado como equilátero, isósceles ou escaleno, conforme as diferentes orientações filosóficas.
No centro de gravidade deste triângulo está a Terra.